quinta-feira, 22 de maio de 2008

As fontes da Teologia Sistemática no Pensamento de Paul Tillich

Por Carlos Seino
" O teólogo sistemático não pode reivindicar validez para a norma que ele usa, apontando para os pais da igreja, concílios, credos, etc. A possibilidade de que todos estes tenham incorrido em erro dever ser mantida pela teologia protestante com tanta radicalidade quanto Roma afirma o contrário em sua doutrina da infabilidade papal" (Paul Tillich).


Este artigo tem como interesse básico refletir sobre o que o autor supramencionado entende que deve servir como fonte do teólogo sistemático protestante em seu trabalho de expor os conteúdos da fé cristã. Em meio a tanto fundamentalismo e radicalismo existente hoje no meio protestante/evangélico, talvez seja interessante fazermos uma reflexão sobre o tema supracitado tomando como base o pensamento deste renomado teólogo alemão em sua grande obra Teologia Sistemática, que no Brasil foi publicada pela primeira vez pela Editora Sinodal em parceria com as Edições Paulinas.


Segundo Paul Tillich, a teologia “é a explanação metódica dos conteúdos da fé cristã[1]”, e a teologia sistemática tem como principal tarefa “explicar os conteúdos da fé cristã[2]” cabendo, obviamente, tal trabalho ao teólogo, que, em sua busca, tem uma “preocupação última” que, em certo sentido, impulsiona o seu próprio trabalho. Para realizar tal tarefa, o teólogo terá que consultar diversas fontes, conforme será a seguir explanado.


Uma das fontes para o teólogo sistemático, no entendimento de Tillich, são as Escrituras. Isto porque, a Bíblia é a “fonte básica da teologia sistemática[3]”, é o “documento original sobre os eventos que a igreja cristã se fundamenta[4]”. Cumpre esclarecer que o autor, ab initio, já rejeita o postulado evangélico/fundamentalista de que a Bíblia é a única fonte para a teologia, e o faz tendo em vista diversos motivos, dentre os quais é o fato de que “a Palavra de Deus não está limitada às palavras de um livro[5]”.

Outra fonte apontada por Tillich que deve servir de base para o teólogo sistemático, é a história da igreja[6]. Isto porque, nas palavras do renomado autor, “toda pessoa que encontra um texto bíblico é guiada em sua compreensão religiosa do mesmo pela compreensão das gerações anteriores[7]”. Entretanto, Tillich faz questão de observar que o teólogo não romano não pode aceitar a atitude de “sujeição da teologia sistemática às decisões dos concílios e dos papas[8]”; isto porque, a atitude romana se torna superficial quando “pressupõe dogmaticamente, com ou sem provas a posteriori, que aquelas doutrinas cuja validez está garantida pela lei canônica concordam essencialmente com a mensagem bíblica[9]”. Tillich observa este como o grande motivo pelo qual há grande esterilidade da produção teológica da igreja romana, em contraposição com sua criatividade litúrgica e ética.

Entretanto, Tillich não encerra por aqui o que entende por fonte da teologia sistemática, mas acrescenta ainda que a história da religião e da cultura de modo geral também deve compor a presente lista. Isto porque toda a religião está inserida em determinada cultura, e dela recebe influências. Sugere ainda que é possível uma análise da teologia que está por traz de todas as expressões culturais, que seria sua preocupação última.

Portanto, Tillich nos informa que a riqueza das fontes do teólogo sistemático é praticamente ilimitada, sendo as tais a Bíblia, a história da igreja, a história da religião e da cultura, indicando ainda que a maior ou menor importância de tais fontes está em ligação direta com “o evento central no qual a fé cristã está baseada, que é o aparecimento do Novo Ser em Jesus Cristo[10]”.

Passemos, neste momento a uma reflexão acerca das fontes propostas por Tillich para o trabalho do teólogo sistemático.

Primeiramente, meditemos na Bíblia como primeira fonte. Quando Tillich chama a Bíblia de fonte original, não está a se referir que temos os documentos conforme foram escritos. Entretanto, as Escrituras, mesmo que tenha havido acréscimos posteriores, ainda assim revelam as primeiras experiências da comunidade cristã primitiva acerca do Querigma apostólico. Tillich parte da compreensão de que o centro do evangelho é o novo ser em Jesus como o Cristo, cuja mensagem está contida nas Escrituras. Cristo é a Palavra de Deus revelada, fonte de toda a revelação, donde as Escrituras dão seu testemunho. Neste aspecto, entendemos que Tillich se mantém de certa forma fiel ao posicionamento de Lutero que também via em Cristo o centro de todo o testemunho canônico, ainda que nem tudo nas Escrituras levasse a este fim (a famosa doutrina do cânon no cânon que não pode, a nosso ver, ser negado por nenhuma mente razoável). Entretanto, Tillich rejeita o biblicismo (assim como Lutero rejeitou) por questões óbvias; entre elas a de que mesmo as Escrituras são historicamente condicionadas por uma série de fatores que não podem escapar da analise atenta do teólogo sistemático. Tillich, mantendo coerência com o pensamento e postura protestante de não atribuir uma infabilidade “fechada” em todas as questões que envolvem a religião opina que “a abertura parcial do cânon é uma salvaguarda da espiritualidade da igreja cristã”.

O evangelicalismo radical moderno tem a obrigação de refletir seriamente nesta questão, visto que, em certo sentido, se desviou da tradição reformada. Ao se creditar, como o biblicismo fundamentalista o faz, uma infabilidade na lista canônica está a se creditar, pela via indireta, a infabilidade de quem escolheu tal lista, seja a de um concílio católico, seja a de um protestante, contrariando frontalmente os próprios postulados da Reforma, de modo que, no fundamentalismo protestante parece estar a gênese de sua própria negação. Portanto, as Escrituras são fonte, “sacramento”, apontam o caminho, mas não são o caminho em si. Servem de testemunho, e de “ponte” para a verdadeira revelação em Cristo Jesus, mas não são o Cristo em si.

Sobre a fonte “história da Igreja”, sem dúvida, Tillich mantém a coerência com o que expôs acerca da primeira fonte. Isto porque, conforme dissemos, a lista canônica também foi condicionada por fatores históricos (não é um corpo estranho que cai do céu, como o Corão ou o livro de Mórmon), além do impacto da revelação em Cristo Jesus, de modo que são estes fatores que servem de fonte para a sua própria elaboração. O teólogo protestante, não obstante considerar as Escrituras sua principal fonte, não se comporta diante destas como se fosse um ídolo. Muito pelo contrário, a teologia protestante se faz com coragem de inclusive questionar alguns aspectos destas mesmas Escrituras, e até atribuir a outros documentos valor inclusive maior do que alguns outros constantes da lista canônica. Por exemplo, não obstante o respeito que o teólogo deve demonstrar à II e III epístola de João, poderá entender que uma obra como a do Didaquê contém muito mais informação histórica, doutrinária e ética sobre a igreja primitiva do que os documentos citados. Certamente, muitos representantes da ortodoxia dirão que o documento mencionado não preenchia os requisitos de apostolicidade, catolicidade, entre outros para integrar o cânon; mas tampouco as mencionadas epístolas, além de outros documentos no Novo Testamento, hoje, a luz da crítica histórica, preenchem tais requisitos. Aliás, através de analise crítico-histórica de tais muitos textos se percebe as suas diversidades, e às vezes, até entendimentos e relatos inconciliáveis.

Também é através da história da Igreja (e quando se diz igreja, talvez Tillich tivesse sido mais feliz se utilizasse a expressão “história do cristianismo”) entender os aspectos históricos que levaram ao fim de uma igreja baseada nos dons e nos carismas e o surgimento de uma igreja totalmente hierárquica, e que os defensores deste sistema sempre formam justamente os homens que estavam no topo desta mesma hierarquia. Deve ainda buscar entender os movimentos considerados heréticos como o gnosticismo, o montanismo, entre outros, e verificar se realmente estes movimentos representam um “pacote” que deve ser inteiramente rejeitado, ou se há aspectos realmente justos em sua crítica (por exemplo, ao lermos Elaine Pagels, alguns podem chegar à conclusão de que a eclesiologia gnóstica poderia estar muito mais próxima de Paulo do que da chamada ortodoxia). Portanto, para o teólogo protestante “não há transito em julgado nas decisões da igreja” de modo que tudo serve de base para o seu trabalho.

Pensemos também agora na história das religiões e da cultura como fonte do teólogo sistemático, principalmente se tiver um viés mais ecumênico, tanto intra, como extra cristão. O teólogo talvez poderá se perguntar se as similitudes entre o cristianismo e outras religiões foram, na verdade, sincretismo helenístico ou uma declarada tentativa de absorção do maior número de elementos possíveis por um movimento que tendia ao universalismo. Além do que, o teólogo sistemático deverá perceber que mesmo os concílios, quando vão a minúcias de uma definição teológica, também estão condicionados a uma cultura e uma linguagem própria de seu tempo, não tendo sido o dogma também um “corpo estranho” que caiu no colo dos bispos, mas que teve suas características moldadas na base de muita discussão, filosofia e cosmologia da época, de modo que também apontem um caminho, mas não são o caminho em si, fazendo com que o teólogo sistemático possa repetir como o apóstolo que “hoje vê como que por um espelho”, ou seja, não tem ainda a capacidade de vislumbrar o quadro todo, mas enche-se de fé, esperança e amor no seu trabalho. Verificaremos que Jesus se manifestou em uma cultura que provavelmente não é a mesma que produziu o Novo Testamento como um todo, que não é a mesma que produziu os concílios, e que não é a mesma em que vivemos hoje, sendo que, talvez, a radical insistência nas fórmulas do passado possam acabar como que determinando a derrocada do próprio cristianismo, em todas as suas vertentes.

Portanto, concluímos que o teólogo protestante prima por uma radical liberdade, o que certamente sempre causará espanto dos mais tradicionalistas católicos e mesmo dos representantes de uma ortodoxia protestante, entretanto, nem por isso é um total subjetivista, visto que seu trabalho não esta fundamentado sobre algo que só a ele foi revelado, mas sim com toda a argumentação retirada das mencionadas fontes, bem como não será também um solitário, uma vez que tal trabalho se dá em comunidade (a comunidade hermenêutica) e diante de uma nuvem muito grande de testemunhas. Nunca será também um trabalho totalmente definitivo, pois sempre há algo de Deus que possamos aprender, e estão sempre sujeitos à verificação de quem quiser, mas apesar de tudo, é um trabalho extremamente pessoal e experimental, visto que toda a sua obra está também fundamentada no evento Cristo e sua experiência pessoal com tal evento, de modo que, sempre há uma carga de emoção, “sentimento de dependência” (Schleiermacher), e total devoção posto que se trata, como Tillich mencionou, da sua preocupação ultima.
[1] In Teologia Sistemática, p.33.
[2] Op. Cit. P. 37
[3] Ibdem, p.38.
[4] Ibdem.
[5] ibdem.
[6] Ibdem, p.39
[7] ibdem.
[8] Ibdem.
[9] Ibdem.
[10] Ibdem, p. 42.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Não podemos entrar nessa correria.
Dionisio Oliveira da Silva.

1- Introdução
Lendo um livro sobre Teologia Urbana, me deparei com algo interessante que pretendo compartilhar com vocês. O autor do livro afirma que devido ao desenvolvimento urbano, a cidade acaba adquirindo certas lógicas que influenciam a vida das pessoas e conseqüentemente a Igreja. Uma dessas lógicas da cidade é sobre o tempo e a busca frenética de prazer (satisfação) das pessoas, que por suas configurações urbanas, afeta o modo das pessoas encararem as coisas e compromissos.
2- O tempo, veloz e exigente
Segundo ele a vida da cidade impõe novas medições de tempo alterando-o do tempo que antes usávamos como aliado nos planos e projetos, para a degradação do tempo, que passou a ser medido em milésimos de segundo, tornando-se praticamente um inimigo das pessoas, impondo sobre as mesmas uma corrida vertiginosa. Tudo tem que ser realizado da melhor maneira possível, no menor espaço de tempo. Isso pode ser visto nas competições em todas as modalidades esportivas e automobilísticas. O esforço está em conseguir o melhor, no menor espaço de tempo com o maior benefício pessoal. O prazer e a realização, via de regra, estão relacionados a uma nova lógica sobre tempo e espaço, no mundo urbano.
Nesta lógica, a vida também passou a ser determinada pela velocidade e imediaticidade de suas realizações, o que faz com que haja uma alta seletividade nos compromissos assumidos pelas pessoas, pois, elas não têm tempo a perder e por isso querem o melhor se possível agora, se não para daqui a pouco. Esperar não faz mais parte da virtude das pessoas. Impulsionadas pelo espírito urbano, pela lógica da cidade, elas se tornaram mais pragmáticas, valorizando o que trás mais resultados imediatos, onde o tempo determina os valores que devem ocupar a vida de cada um. Hoje em dia isso tem afetado todo tipo de atividade individual e social. Por exemplo, a imensa oferta de programas educacionais cuja maior característica é a velocidade com que se consegue uma formação. Outro exemplo é a rapidez com que o mercado oferece novos produtos para o consumo, e a enorme variedade de um mesmo produto à disposição dos consumidores. Um objeto que compramos à dois ou três meses, hoje já se tornou obsoleto, pois há outros mais atraentes sendo oferecido em seu lugar no mercado. Isso ocorre com todo tipo de mercadoria e bem, seja real ou simbólico. Tempo é sinônimo de realização, prazer, lucros e novas possibilidades.
Volta-se ao antigo, mas permanente dizer neo-capitalista: “tempo é dinheiro”. E na cidade, onde os tempos estão a serviço da produção, do consumo e do prazer, como principais resultados, pois é isto que o ambiente urbano industrializado propõem, o consumismo é marca de sentido, ascensão social e realização pessoal. Em uma situação como esta, como ficam os atos e ações da fé? O mínimo que podemos afirmar sobre isso, é que este tempo extremamente rápido e seu pragmatismo, não dá chance para as coisas da fé, que não podem ser administradas na mesma velocidade, e acompanhar o movimento frenético estabelecido pela sociedade urbana.
No tempo da cidade, o tempo religioso, que serve aos projetos de fé se torna secundário, e isso desencadeia uma reviravolta radical na forma das pessoas se relacionarem com Deus, com a igreja, com sua comunidade e consigo mesmas. Colocar a fé, e o relacionamento com Deus sob tutela dessa corrida vertiginosa, trás sérias complicações para a experiência e prática religiosa das pessoas. O perigo mais trágico em todos os níveis, é que as respostas da fé propostas pela palavra de Deus assumam a dinâmica que a cidade e sua lógica mercadológica estabelecem, em prejuízo da sua finalidade.
Para a tendência urbana e para as expectativas que ela coloca, a fé ou faz as devidas adaptações, se adequando ao ritmo imposto pela visão social urbana, ou será descartada e substituída por novas formas mais interessantes. E isso pode ocorrer, porque o ambiente da cidade valoriza o resultado imediato. Não importa o que o produza, seja um bem material, seja uma experiência mística ou espiritual, real ou simbólica, tudo tem que ser para agora e de acordo com os critérios de cada pessoa.
O que isso tem a ver especificamente conosco como pastores? Veremos alguns aspectos importantes para o nosso pastoreio, que podem influenciar o nosso modo de ser e de atuar na igreja de Cristo.

1-Em decorrência da ultra valorização do tempo como elemento imprescindível para conquista de coisas que resultem em prazer e satisfação pessoal, a fé sofre ameaças, ou como diz Libânio: “ As ameaças vêm de ela deixar-se influenciar pela... modernidade , mercantilizando-se, tornando-se instrumento de poder e fazendo-se simplesmente notícia”(Libânio, 2002). Ainda segundo ele, “ a mercantilização da fé acontece ao transformarem-se os sinais, ritos, símbolos, celebrações com que ela se reveste – sua expressão religiosa- em produto de consumo. As instituições religiosas produzem tais mercadorias religiosas para saciar a fome consumista das pessoas”(Libanio,2002)
2-O interesse de seguir as lógicas da cidade e do consumismo, pode levar o pastoreio e a igreja, a deixar de propor a fé com resposta de confiança, de compromisso que aceita o tempo de Deus, que exige paciência e bom senso, e oferecer alternativas imediatistas seguindo uma lógica mercadológica, iniciando o comercio de bens religiosos, que não exige nenhum compromisso com a “fé que uma vez foi entregue aos santos” . “ Neste caso, a religião se submete totalmente à idolatria e a feitiço do mercado”(Libânio,2002), cuja pretensão é de oferecer sentido definitivo para a vida das pessoas no lugar de Deus, quando ele mesmo faria diferente.
3- Enfim, um dos maiores perigos que corremos, é sermos atraídos por essa tendência consumista de mercado focada no prazer imediato, que já assumiu uma aura de sacralidade, e no afã de responder às demandas e carências das pessoas que influenciadas pela imediaticidade proposta pela sociedade de consumo querem tudo para agora, propormos soluções que não sigam o ritmo e princípios estabelecidos pela palavra de Deus. E em decorrência disso, mercantilizarmos os bens da graça como se fossem mercadorias que pudessem ser adquiridos mediante troca ou pagamento de algum valor. E ainda mais, com a intenção de darmos resposta prontas à todas as questões e problemas apresentados pelas pessoas, transformarmos a fé em mera religiosidade, o que significa deixar de assumir a fé como uma “real experiência no sentido de adesão a uma Palavra transcendente que procede de Deus, que questiona, que converte, que conduz à prática”(Libânio), que informa e exige que cada um de nós assumamos as implicações da cruz de Cristo, que difere totalmente de uma busca de experiências religiosas gratificantes, simplesmente pelo seu alto nível emocional, místico, festeiro, e transitório, que não convoca ao seguimento de Jesus e a ética e moral cristã.
O que fazer para evitarmos estes perigos em nosso pastoreio? Proponho um retorno à palavra de Deus especialmente no Salmo 40.1-4 que nos orienta como lidarmos diante de Deus com as nossas necessidades, expectativas e sofrimentos num mundo imediatista, que não tem tempo para nada.
Para Davi, a solução para suas dificuldades, sofrimentos e necessidades, foi alcançado pela fé, pela paciência e esperança na fidelidade de Deus. Para ele não é necessário e nem é a vontade de Deus, agir de outra forma. Esperar com paciência a ação de Deus produziu os resultados mais satisfatórios e definitivos que ele podia alcançar. Davi nos ensina que a nossa fé quando colocada em Deus, abre inúmeras possibilidades, pois não há limites para o agir de Deus quando Ele decide agir a seu tempo a nosso favor. Nessa experiência, Davi nos faz também perceber que não há como forçar Deus agir como queremos. A postura mais eficiente de cada um deve ser a fé, seguida da confiança e da esperança com paciência, assim como ele fez, independente de qualquer influencia externa, seja da cultura seja de dentro de nós mesmos.


Conclusão
Na sociedade urbana tão conturbada e carente, ávida de soluções imediatas como a nossa, precisamos ter o cuidado de não entrarmos no seu jogo, mercantilizando a fé e a experiência com Deus reduzindo-as ao mero desfrutar descompromissado de bens que duram apenas por um pouco de tempo. Não devemos alimentar este tipo de sentimento nas pessoas. Devemos sim, seguir os princípios contidos na palavra de Deus, com a devida serenidade, resignação e obediência. Não podemos baratear a graça e nem fazer da fé um meio de troca.
Concluo com outra citação de Libanio que diz: “ A fé sofre, sem dúvida, o impacto dessa nova situação urbana. Cabe-lhe também assumir uma atitude crítica da transformação da concepção de tempo urbano. Este tende a reduzir as atividades humanas à função lucrativa, interessada. O tempo urbano tem dificuldade de entender a gratuidade. Até gestos prazerosos, que poderiam parece gratuitos entram na roda-viva da produtividade, do comércio, do lucro... Numa palavra, a fé e a religiosidade priorizam a gratuidade de tudo, enquanto a cidade quer inserir no mundo do mercado, inclusive a própria religião. De novo, trata-se de ser ‘contracultural’(p.107). Para não sermos tentados a agir dessa forma, devemos como Daví, ter total confiança no tempo e no agir do nosso Deus com a motivação necessária para não desistir, trabalhando para dias melhores para nós e para as outras pessoas, pois como diz Daví: “ Quanto a mim, sou pobre e necessitado, mas o Senhor preocupa-se comigo”(Sl 40.17). Isso, não deve ser lido com pessimismo e motivo de acomodação, mas de confiança no poder e no tempo de agir do nosso Deus, sem as configurações lógicas da cultura urbana que nos envolve no dia-a-dia.


Bibliografia:
LIBANIO, João B. As Lógicas da Cidade; o impacto sobre a fé e sobre o impacto da fé. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
SILVA, Dionísio O. O Comercio do Sagrado. Londrina: Descoberta Editora, 2004.
Evangelho e Cultura; a busca de um diálogo sustentável.
Dionísio Oliveira da Silva[1]

Introdução

Existem coisas que precisamos levar em consideração, enquanto há outras que podemos deixar passar batido sem muita preocupação. Uma dessas coisas eu encontrei lendo o livro “Mapas para a Festa” do Otto Maduro, sobre Análise da Realidade e, é uma critica que pode ser aplicada a certos aspectos do discurso evangélico e suas resposta às perguntas que lhe são dirigidas. A coisa foi a seguinte: “Pilotando sozinho um avião, que em um dado momento entrou em pane, uma mulher se lança de pára-quedas sobre uma floresta totalmente desconhecida. Ao cair, ficou pendurada nos galhos de uma árvore, praticamente impossibilitada de alcançar terra firme. Depois de algumas horas nessa condição, enxerga, lá embaixo, a alguns metros de distância, um homem muito bem trajado que passeia pela floresta. Desesperada, grita para o homem: "Oi! Por favor, meu senhor! Olhe cá para cima! Aqui! Me diga onde estou?” O homem surpreendido olha para o alto da árvore e responde à mulher: “Ora... a senhora está pendurada numa árvore!” “O Senhor é teólogo?”,pergunta-lhe a aviadora. “Sim, senhora, mas como é que sabe? “ “Pela resposta que me deu: absolutamente verdadeira, mas perfeitamente inútil”[2]. Infelizmente, isto se assemelha realmente às respostas que a grande maioria dos evangélicos e suas instituições têm dado às perguntas vitais colocadas pela cultura direta e indiretamente falando. O discurso evangélico não tem levado a sério determinados aspectos da realidade cultural e por isso tem dado respostas verdadeiras, porém, inúteis. Fala-se a verdade, mas de uma forma totalmente irrelevante, sem poder ser aplicada na prática para surtir o efeito desejado por Deus, já que a sua Palavra é verdade prática e transformadora.

É sobre a relação entre o Evangelho e a Cultura e a necessidade de uma aproximação mais fecunda entre ambos que pretendo apresentar algumas reflexões tendo como ponto de partida o texto de Mateus 5.13-16. Me desafio a fazer isso não apenas por questões acadêmicas, mas principalmente porque entendo que a relevância do discurso e do dialogo evangélico com a cultura faz parte daquelas coisas que precisamos levar em consideração. O texto diz o seguinte:

"Vocês são o sal da terra. Mas se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens."Vocês são a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade construída sobre um monte. E, também, ninguém acende uma candeia e a coloca debaixo de uma vasilha. Ao contrário, coloca-a no lugar apropriado, e assim ilumina a todos os que estão na casa.Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus.”(NVI)

Entre outras coisas que este texto pode significar, duas têm a ver diretamente com o meu assunto; a participação e transformação; luz e sal. Dois aspectos daquilo que pode nascer da relação entre o Evangelho e a Cultura. Sem demorar em extensos raciocínios hermenêuticos sobre o texto bíblico exaustivamente realizado por especialista de renome, [3] quero ir diretamente ao que me interessa na relação entre Evangelho e Cultura afirmando que: a mensagem do Evangelho só é útil quando não separa sua capacidade de reconstruir e renovar as situações (sal) com a sua capacidade de iluminar e mostrar as situações a todos, com o faz a luz que emana de sua fonte e penetra a mais densa e remota escuridão. E não pode haver reconstrução de estruturas e da própria realidade pela mensagem do Evangelho sem a idéia de serviço e relacionamento mutuo entre ele e as instâncias culturais. A participação pela inserção ativa na cultura e pelo diálogo são elementos indispensáveis para se dialogar de modo relevante com as estruturas da realidade que carecem de renovação e de sentido e ao mesmo tempo ser estimulado para reavaliações e novas investidas. Atitudes como essas também servem para capacitar as pessoas de ambos os lados para compreenderem melhor a realidade e criticarem de forma sábia e correta a situação. As duas metáforas usadas por Jesus, pelas próprias características dos elementos que ele utilizou levam para essa direção. Por ser sal, a vida e o testemunho dos cristãos assumem característica relacionadas a preservação, daquilo com o qual entra em contato. Tão relevante também, e o fato de agregar sentido àquilo que precisa dele.

Pensando em termos do Evangelho anunciado pelos cristãos, este anúncio deve preservar o sabor e sentido que o Evangelho oferece à vida das pessoas com as quais entra em contato. Da mesma maneira a função da luz que ilumina locais inóspitos dando visibilidade e revelando como eles são de fato, deve ser de forma análoga aplicada ao Evangelho em sua relação com a Cultura, no sentido de ser um instrumento prático e crítico para a construção do conhecimento e analise da realidade que promova a melhoria da vida. Essa aproximação contribui para que as pessoas interpretarem os acontecimentos e construam uma realidade muito mais palpitante, justa e humanizadora. Mas tal transformação só pode ocorrer quando este mesmo Evangelho for capaz de penetrar e compartilhar as mais diversas e diferentes situações e experiências. Mas, não se deve esquecer um detalhe importante; os elementos utilizados na metáfora por Jesus, não agregam pré-julgamentos. Ambos, são apenas criadores de sentido, visibilidade, que auxiliam numa auto-avaliação e decisão pessoal. Da mesma forma, penso que para se resgatar a relevância da mensagem evangélica em nossa cultura, e em outras quaisquer, o Evangelho deve ser apresentado pela sua capacidade de trazer sentido e gosto pela vida, de motivar e ajudar as pessoas descobrirem seus valores,de se humanizarem mais e reconstruir uma nova realidade, com discernimento critico das coisas e dos acontecimentos, sem pré-conceitos e pré-juizos aplicado sobre as outras pessoas.
Este é o desafio que temos,e diante desta situação: quais deveriam ser as nossas atitudes?

Há três maneiras[4] normalmente utilizadas pela igreja cristã em geral com relação à cultura, principalmente quando há algum impasse entre os valores e costumes.

1- Rejeitar a cultura e ir em busca de formas e modos do passado. Uma forma de alienação evangélica. Esta tem sido a atitude de grande parte das igrejas e movimentos evangélicos, que optam principalmente pelas formas e costumes judaicos, formas essas que apesar da sua riqueza na maioria das vezes não comunica algo relevante em termos práticos para a cultura brasileira. O isolamento e a indiferença da Igreja podem ser também percebidos nas mais diversas formas de retiros que tem sido realizado pelas igrejas evangélicas, em datas especificas e em outras ocasiões. A indisposição para dialogar com determinadas expressões da cultura tem motivado esta forma de reação. Pelo que parece, quando o momento é mais propício, a comunidade evangélica se isola e se aliena. É difícil entender o sentido de ser sal e luz numa postura desse tipo. Talvez o que falta ser compreendido é que: relevância prática envolve experiência que pode ser compartilhada quando o momento sinaliza uma mínima abertura e não quando se quer. Qualquer atitude que não leve isso em consideração pode resultar em “respostas absolutamente verdadeiras, mas totalmente inúteis”.

2- Aceitar indiscriminadamente o pluralismo acrítico, relativizando tudo, como se tudo na cultura fosse igualmente bom e que a fé cristã e o Evangelho pode coexistir sem problemas com ela. O pano de fundo para esta forma de pensamento está no conceito missiológico entendido erroneamente de que como o Evangelho é inter, trans, ou até supra-cultural [5]e não têm raízes em nenhuma cultura, a coisa pode ser levada dessa maneira. O perigo de se relacionar com a Cultura a partir desse pensamento é não levar em consideração que há diferença entre valores dos Evangelhos e da Cultura,[6] e que não há compatibilidade total entre ambos. Neste caso há grande chance do Evangelho não se tornar de fato relevante. Há uma série de práticas na igreja cristã que mostram a influencia negativa da cultura na prática evangélica, principalmente nos campos dos valores, refletindo conseqüentemente na moral evangélica.

3- Dialogar com a cultura contemporânea. A igreja deve desenvolver um diálogo crítico com a cultura, reconhecendo nela o que é útil, transformando o que poder ser transformado, porque é reprovável e se comprometendo a suprir aquilo que está faltando[7].

Dialogar para transformar aquilo que deve ser transformado, reconhecer e fortalecer o que é significativo e principalmente se envolver com uma participação inteligente nos diversos âmbitos da sociedade, com a convicção de que o conteúdo do Evangelho não tem apenas funções escatológicas, mas também tem a ver com mudanças na qualidade de vida das pessoas no seu dia-a-dia. Este é um conceito que precisa ser enfatizado e repensado na interpretação cristã em geral, pois, a riqueza e a eficácia do Evangelho é inesgotável, e a experiência prática de instituições sociais, educacionais e Ongs, têm sinalizado que há muito espaço onde o Evangelho pode ser renovador como instrumento para resgate da cidadania em suas diversas dimensões. O uso da mensagem apenas para resolver a situação depois da morte[8] esvazia o sentido e valor cotidiano da mensagem evangélica. É necessário dialogar com a sociedade sem aquela mentalidade de catequização ou conversão a qualquer custo, como foco principal do relacionamento do Evangelho e a Cultura. Os valores do Evangelho, em sua grande maioria podem ser praticados pela sociedade e produzir resultados relevantes sem visar exclusivamente a exigência de conversão institucional. Quanto do principio da justiça, da solidariedade, do amor, do valor do ser humano, da ética de Jesus pode ser aplicado à prática social para aumentar a qualidade de vida das pessoas e por conta disso elas se interessarem pelo Evangelho? Por outro lado, quando falamos de rejeitar o que é reprovável, quanta injustiça foi e tem ainda sido cometida pelas pessoas e instituições evangélicas, por falta de conhecimento da situação e de julgamento prematuro das coisas? Que critérios usamos para determinar o que deve ser reprovado? Será que ouvimos outros sobre o assunto, ou apenas usamos o poder para isso? Usamos o mesmo critério para determinar o que é útil? Sem ouvir os outros, fica muito difícil chegar a uma conclusão justa e aceitável. O diálogo seria um aliado fortíssimo para se obter êxito. Os primeiros cristãos têm muito a nos ensinar sobre a utilização de elementos úteis da cultura para a propagação do Evangelho em seu tempo, quando o fazem a partir da utilização de elemento das culturas grega e romana.

Para nós evangélicos é muito mais cômodo assumir a postura de portadores de conceitos e verdades absolutos e universais que nos confere a condição de guardiões do conhecimento perfeito e imutável. Contudo, os fatos e experiências históricas e bíblicas têm nos desafiado a pensar de forma diferente, porque mesmo o Evangelho não prioriza conceitos e normas, mas vidas e pessoas e isso é mais que suficiente para determinar a tendência que a comunicação do Evangelho deve tomar no seu relacionamento com a Cultura. Fato é, e afirmado pelo texto de Mateus que, é nossa a responsabilidade dar o ponta-a-pé inicial para este relacionamento mútuo, com uma atitude mais próxima possível daquela de Jesus, tendo em nossos corações o que ele nos ensinou:

“Pois bem, se eu, sendo Senhor e Mestre de vocês, lavei-lhes os pés, vocês também devem lavar os pés uns dos outros. Eu lhes dei o exemplo, para que vocês façam como lhes fiz.Digo-lhes verdadeiramente que nenhum escravo é maior do que o seu senhor, como também nenhum mensageiro é maior do que aquele que o enviou. Agora que vocês sabem estas coisas, felizes serão se as praticarem”. (Jo. 13.14-17 –NVI)

Conclusão:

Ao lidar com a relação Evangelho e Cultura me parece que em ambos os lados há muito o que se compartilhar. Tudo depende da atitude de ambas as partes. Mas, no que se refere ao Evangelho, por sua própria natureza divina a igreja tem mais dívida com a cultura do que o inverso. A razão desta dívida talvez tenha surgido por causa da visão maniqueísta que a igreja assumiu em determinando momento da sua história, onde o mundo é visto como uma instancia totalmente maligna de onde se tem que fugir, contrariando o próprio modo de Jesus ver a relação da Igreja com o mundo em, Jo 17. 15-17, ( “ Não rogo que os tire do mundo..., eu os enviei ao mundo”) que sinaliza a necessidade de uma relação concreta e otimista. O problema da Igreja é que o lugar seguro para onde se deve ir ou é um esconderijo terrestre longe de todos, ou no paraíso espiritual futuro que pela ênfase desregrada que é apresentada, aliena a igreja da sociedade e da própria realidade. As dimensões do real e do espiritual não têm sido harmonizadas com sucesso pelo discurso da Igreja. Por puro pragmatismo a solução foi então procurar se isolar de uma ou de outra maneira de toda experiência que não tivesse o crivo do modelo de espiritualidade que a igreja assumiu, mesmo sabendo que o mundo é amado pelo Pai, que como prova desse amor entregou seu próprio Filho para salva-lo. Essa postura da igreja é tão radical que infelizmente outros interlocutores começaram a dialogar com a cultura em seu lugar sem a devida competência, mas com muita seriedade. Os danos para a Igreja são grandes e podem ser visto por aí, pois, quando o sal se torna insípido e a luz é colocada dentro de um barril, o que se pode esperar? Embora a situação seja essa, penso que ainda há tempo para recomeçar o diálogo e já estamos atrasados, se nos preocupa tanto o presente como o futuro escatológico. O desafio para o reinicio da conversa é: Como construir um relacionamento (dialogo) entre Evangelho e Cultura que seja biblicamente sustentável e culturalmente relevante? Precisamos primeiramente assumir este desafio antes de afirmarmos qualquer coisa. A igreja evangélica brasileira em geral, está em divida com isso.


Bibliografia:
BARNA, George, Igrejas Amigáveis e Acolhedoras, ABBA Press, SP, 2001.
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HIEBERT, Paul G, O Evangelho e a Diversidade das Cultura, Vida Nova, SP, 1999.
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Notas:
[1] - Diretor Acadêmico da Faculdade de Teologia Metodista Livre de São Paulo, Mestre em Ciências da Religião pela PUC-SP e Doutor em Ministério-DMin., pela FTSA de Londrina. Vice-Presidente da Aetal Continental.
[2] - MADURO, Otto, Mapas para a Festa; Reflexões Latino-Americanas sobre a Crise e o Conhecimento, Vozes, SP, 1994, pp. 175-176.
[3] -TASKER, R.V.G, Mateus Introdução e Comentários, Vida Nova, SP, 1999, Série Cultura Bíblica, pp.48-51.
[4] - Usei como referencia para meu comentário o texto de DULLES, Avery “The Gospel and Culture: Narrowing the Gap” publicado no Woodstock Report do Woodstock Theological Center em Março de 1994,
[5] - Esses são termos usados pelos missiólogos quando tratam da relação entre evangelho e cultura e Cristo e as culturas.
[6] - Paul Hiebert afirma que há três princípios que precisamos examinar para entender a tensão dinâmica entre o evangelho e as culturas humanas. Primeiro, o evangelho versus a cultura. O evangelho por sua própria origem divina deve ser separado de qualquer cultura. Em segundo lugar, o evangelho na cultura. Embora o evangelho seja diferente das culturas humanas, ele sempre deve ser expresso em formas culturais.E, terceiro, o evangelho em relação à cultura. O evangelho propondo mudanças para todas as culturas. Ver HIEBERT Paul G., O Evangelho e a Diversidade das Culturas”, Vida Nova, SP, 1999, pp.53-58
[7] Woodstock Report, opus cit.
[8] - Ver o comentário sobre o conceito de salvação no livro de Lucas no texto, ´Missão como Mediação da Salvação” in BOSCH, David J, “Missão Transformadora; Mudança de Paradigmas na Teologia da Missão” Sinodal , São Leopoldo, 2002, pp.471-472. Bosch afirma em seu texto que “ para Lucas a salvação é, sobretudo, algo que se realiza nesta vida, hoje.”

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Vale a pena dialogar.

APESAR DE TUDO, VALE A PENA DIALOGAR
Prof. Dionisio

Diante da importância do diálogo para as relações entre povos e culturas, surge a necessidade de todos os segmentos da sociedade se empenharem num esforço conjunto para que as dificuldades existentes sejam superadas, ou pelos menos minimizadas, a fim de que o diálogo de fato aconteça. Essas dificuldades ficam ainda mais sérias devido ao fenômeno da globalização, que encurta distâncias e mescla povos e costumes numa velocidade espantosa. Na mesma proporção que as distâncias são encurtadas, as diferenças são acentuadas e torna-se imperativo aos interlocutores olharem uns aos outros respeitosamente e elaborarem estratégias conjuntas para que o diálogo possa ser iniciado. Este é um dos principais desafios que a Igreja evangélica brasileira precisa vencer, pois as implicações da sua missão exigem dela um diálogo relevante e cordial com outros segmentos religiosos. Porém, a fim de que este diálogo seja um instrumento a favor da sua missão, a Igreja precisa estar consciente de que é necessário superar alguns obstáculos, dentre eles, o exclusivismo do seu discurso, tanto na sua forma como no seu conteúdo, para que seja possível criar um espaço comum, onde os interlocutores com os quais ela precisa dialogar sintam-se acolhidos e respeitados, e o diálogo avance para uma práxis à altura do otimismo da graça de Deus, de uma forma ampla e genuinamente salvadora.
Assumindo o diálogo como alvo e desafio, é necessário pensar numa forma concreta de estabelecê-lo como iniciativa da Igreja evangélica[1] brasileira, parte principalmente do grupo reconhecido como das Igrejas históricas,[2] frente às outras culturas religiosas não-cristãs, considerando a possibilidade da existência de estruturas teológicas presentes nestas culturas servirem de ponto de partida.

Diante de um desafio com essa dimensão, é certo que haverá dificuldades para as partes em questão, principalmente pelo recrudescimento do exclusivismo que as Igrejas evangélicas sempre detiveram em relação ao anúncio da mensagem, por questões práticas e dogmáticas, o que nos remete aos seguintes questionamentos: Em que bases a construção deste diálogo pode ser iniciada? Quais seriam as implicações teóricas e práticas para a Igreja, considerando a sua constituição atual? Quais re-elaborações dogmáticas e práticas teriam que ser implementadas? Quais passos devem ser dados pela Igreja, e que as mudanças são necessárias para a efetivação desse diálogo?

De início, pode-se dizer que, devido ao otimismo e abrangência presentes na graça de Deus com relação aos povos e culturas, a Igreja brasileira deve repensar principalmente três componentes da sua dogmática: a eclesiologia , a soteriologia e a escatologia, embora, esta ultima em menor grau. Mas fica mais evidente, que a maior restrição ao diálogo é, de fato, a forma pela qual a Igreja vê a si mesma. Em vista disso, um aspecto importante que precisa ser superado para abrir caminho para as demais mudanças necessárias é a visão de Igreja gerente absoluta dos bens da graça de Deus, o que fortalece a sua maior institucionalização e reduz o espaço para uma reflexão mais ampla e crítica da sua práxis.

O reflexo dessa centralização pode ser percebido no conceito de soteriologia da Igreja evangélica, principalmente no que se refere à idéia de comunicação da graça como ação exclusivamente dependente da sua presença histórica e institucional nas culturas. O diálogo aponta para a necessidade de se repensar o conceito de que nenhum conteúdo ou conhecimento da graça está presente em qualquer cultura antes da presença missionária da Igreja. A experiência missionária e a reflexão teológica têm sinalizado para a necessidade de mudanças da perspectiva soteriológica. Por exemplo, é necessário adicionar a perspectiva “trinitária” à “cristológica” como forma da comunicação da graça de Deus, pelo fato da presença e ação do Espírito Santo como elemento preparatório e antecedente à própria ação missionária, que se defronta com sinais evidentes da graça sendo experimentada em lugares e culturas onde Cristo ainda não é historicamente conhecido[3], o que torna isso o ponto de partida para essa ação missionária da Igreja, mas que, infelizmente, ela nem sempre soube aproveitar.
Isso exige da Igreja a devida crítica e reavaliação de sua visão sobre as culturas no que se refere à experiência religiosa de fé em Deus, e também sobre a forma de estabelecer a sua práxis, normalmente excludente com relação às mesmas, pelo seu alto grau de preconceito e julgamento diante de qualquer expressão e experiência que não tenha o seu formato.

A perspectiva soteriológica trinitária exige não apenas o diálogo como também determina a forma que ele deve ter, abrindo a possibilidade da percepção e existência de uma Comunidade Espiritual real fora da Igreja institucional, não reconhecida por ela por conta dos limites impostos pela sua dogmática. A superação dessa visão é um desafio necessário que, uma vez assumido, torna possível a visibilidade da dimensão que a Igreja tem na perspectiva da graça. Isso exige que a Igreja não se restrinja a apenas um modelo[4] ou abordagem e, como interlocutora, esteja plenamente consciente não apenas dos desafios envolvidos no diálogo, mas principalmente dos benefícios que ele pode trazer para a sua missão e para o reino de Deus.
De fato, o diálogo requer abertura da Igreja na direção de uma prática que permita, com a devida seriedade, acolher a pluralidade de percepções e experiências religiosas presentes nas culturas, diante das multiformes possibilidades de experiências oferecidas pela graça de Deus através de Cristo.

A minha hipótese de trabalho que empresto de Tillich é que, fora da Igreja institucional, há uma Comunidade Espiritual em estado de latência, presente em todas as culturas, fruto da ação missionária do Espírito, que antecede a ação da Igreja e com a qual a Igreja deve dialogar, respeitando a suas características de “essência”[5]. A importância de visualizar e reconhecer este estado da Igreja permite desvelar uma nova dimensão para ela e percebê-la na sua universalidade. O conceito de Comunidade Espiritual ou “Igreja Latente” nos permite retomar à “essência” da Igreja como ponto de partida para o diálogo e identificá-la através da diversidade de formas de expressões presentes nas diversas expressões religiosas existentes. Podemos dizer que, com isso é possível conhecer a Igreja a partir de suas estruturas ontológicas, tão importantes para o entendimento do verdadeiro sentido que lhe serve de base, e perceber que, se há uma pluralidade de expressões de divindades, uma análise mais precisa poderá demonstrar que, pelo sentido esperado, de fato, tudo converge apenas para uma resposta, aquela que somente Deus pode oferecer.
Há várias razões para assumir um diálogo como este, principalmente em relação à ortodoxia e ao desinteresse da Igreja evangélica no Brasil.
Em primeiro lugar, porque é uma oportunidade para uma análise mais crítica sobre o posicionamento da Igreja evangélica brasileira em relação à importância e ao privilégio que ela tem em face da sua missão cristã, principalmente no sentido de corresponder à altura a essa missão, que hoje mostra distante e estranha a realidade cultural que lhe cerca.
Os fatos têm demonstrado que a ação da Igreja tem cada vez mais se restringido àquilo que favorece seus interesses institucionais, resultando num discurso voltado para sua auto-perpetuação, com pouquíssima relevância cultural, pois constantemente tem esquecido que a sua práxis deve priorizar o ser humano e responder a suas perguntas existenciais onde quer que elas sejam feitas. Contudo, parece que a Igreja tem decidido cada vez mais dialogar consigo mesma.[6]

Essa postura a impede de cumprir o seu papel de forma transparente e eficaz, pois neste estado de coisas no qual se encontra sua ação fica restringida aos interesses institucionais e dogmáticos. Como justificativa, ouve-se a Igreja dizer que dialogar de uma forma mais aberta e plural é perigoso, pois pode levar a um “pragmatismo”[7] prejudicial à sua imagem e missão. Mas, o que de fato ocorre é que a Igreja é vítima de suas próprias formas em detrimento dos conteúdos da revelação. E, por conta disso, a sua dogmática, do modo como foi elaborada – sem ser questionada e reavaliada – em vários aspectos não resiste ao diálogo com o outro como de fato deve ser nas condições sociais e culturais da atualidade. As conseqüências dessa postura são o anacronismo[8] no seu modo de observação e o empobrecimento do otimismo da graça de Deus comunicado pela sua pregação, com implicações negativas para a sua práxis. Essa postura acaba levando a Igreja a desenvolver um cristianismo à sua imagem e semelhança, a serviço de si mesma, não somente incapaz de ouvir e acolher o que o outro fala, mas também e principalmente o que o Espírito realizou e ainda está realizando nas culturas. A Igreja evangélica precisa ouvir mais o Espírito na sua interlocução com as culturas[9] e retomar seu verdadeiro caminho e vocação. Dialogar poderá contribuir para isso.

Em segundo lugar, tendo como foco a realidade mundial, o diálogo inter-religioso serve como instrumento útil no campo da diplomacia, pois pode abrir espaço para possibilidades de entendimentos com outras formas culturais e religiosas, com uma grande chance de minimizar a violência que se alastra em várias partes do planeta, tendo como motivação as “posições de defesa” assumidas normalmente pelos grupos religiosos. O diálogo favorece a construção de um espaço de respeito e liberdade onde os interlocutores podem se sentir seguros e acolhidos, minimizando a possibilidade de disputas , de extremismos radicalizados evitando a destruição de seres humanos como conseqüência dessas disputas que levam às chamadas guerras santas. O diálogo é um instrumento eficiente como meio de aproximação das religiões não apenas porque permite uma nova compreensão do sentido e do valor da vida, além de uma melhor compreensão do fundamento da vida e do ser humano, que busca universalmente o mesmo sentido e realização, mas também porque possibilita um melhor entendimento do valor do Evangelho, que não se restringe à salvação escatológica.[10] A Igreja evangélica brasileira, por conta da sua relevância e penetração considerável não apenas no Brasil, mas em dimensões mundiais, deve dar a devida atenção para a possibilidade real de fazer diferença em vários âmbitos da sociedade. Dialogar ajudaria a alcançar uma maior e melhor integração social e a realizar a transformação que a graça e os valores evangélicos podem proporcionar.

Em terceiro lugar, nos campos da Ética e Bioética, o diálogo inter-religioso a partir da Igreja evangélica também pode contribuir, juntamente com outros segmentos que já discutem o assunto, para uma compreensão mais ampla do ser humano e do seu valor, servindo de instrumento para a legislação deste campo, principalmente porque o diálogo permite o acréscimo e o enriquecimento de conhecimentos sobre o ser humano e a troca de experiências através de outras percepções da pessoa humana a partir do ponto de vista de religiões não-cristãs.
Em quarto e ultimo lugar, poderíamos sinalizar a importância do diálogo para as questões ecológicas. Tal diálogo contribuiria para estabelecer um novo entendimento das responsabilidades sobre a exploração e o uso das reservas naturais, do meio ambiente proporcionando com isso uma maior aproximação entre a Igreja e as religiões dos grupos étnicos radicados nas grandes reservas naturais, com o compartilhamento de experiências para esse fim, presentes nestes grupos, tão importantes para todos nós.

Todas essas possibilidades representam campos onde a Igreja pode atuar e servir melhor às pessoas, mas isso exige que ela esteja aberta às mudanças que forem necessárias não apenas no que se refere à sua dogmática, mas também à sua práxis. Retomar a discussão sobre a necessidade do diálogo da Igreja evangélica com outras religiões demonstra não apenas que ela está sintonizada com a sua missão, mas também que possui uma percepção otimista da graça de Deus e está comprometida com ela. São razões suficientes para implementar todo e qualquer esforço.



BIBLIOGRAFIA.

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RUNYON, T., A Teologia da Nova Criação - a teologia de Wesley hoje. SBC: Editéo, 2003
STOTT, John: Ouça o Espírito, Ouça o Mundo. São Paulo: ABU Editora, 1997.
TEIXEIRA , F. Teologia das Religiões. São Paulo: Paulinas, 1995.
_________. O Diálogo Inter-religioso como Afirmação da Vida. São Paulo: Paulus, 1997.
_________. Diálogo de Pássaros: nos caminhos do diálogo inter-religioso. São Paulo: Paulus, 1993.
_________. Antropologia Cristã. São Paulo: Editora Vozes, 1985.
TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. São Paulo: Paulinas, 1984.



[1] - No Brasil o termo “evangélico” não tem a mesma conotação que, há nos EUA, pois, diferente de lá nem todos os evangélicos são considerados fundamentalistas, e nem são vistos como seitas. O termo não é utilizado apenas para definir a orientação religiosa, pois em sentido mais amplo engloba as Igrejas cristãs em geral.
[2] - Segundo Galindo as Igrejas Históricas são divididas em dois grupos principais; as Igrejas protestantes históricas de origem européia – Luteranos (alemã), presbiterianos (escoceses), anglicanos (ingleses), reformados, e as Igrejas históricas de origem norte-americanas, que ele divide em três categorias; as igrejas de orientação tradicionalmente mais confessional, como a Luterana, a Episcopal ( anglicana com estilo americano), Presbiteriana e Igreja dos Amigos. No segundo grupo ele coloca as igrejas que ele chama de “ livres”, vinculadas por origem ao movimento revivalista: Metodista, Batista, Congregacional, Discípulos de Cristo, Exército da Salvação. No terceiro grupo estão os “evangélicos”, designados em geral como seitas evangélicas ou movimento do tipo “livre empresa religiosa”: são comunidades ou sociedades religiosas fundadas a partir da década de 20 por missionários norte-americanos pertencentes em sua maioria à corrente fundamentalista. GALINDO, F. O Fenômeno das Seitas Fundamentalistas. Petrópolis: Vozes, 1995, p.84-85.
[3] Já estava presente em Wesley esta perspectiva quando ele diz: “ O benefício da morte de Cristo estende-se não apenas aos que têm o conhecimento preciso da sua morte e sofrimento, mas também aos que estão inevitavelmente excluídos desse conhecimento. Mesmo estes podem ser participantes do benefício da sua morte, embora ignorando a história, se a graça realizar-se em seus corações, de modo que os homens perversos tornem-se santos”. In “A letter to a person lately joined with the people called Quaquers”, Works ( Jackson) 10.178. É possível que a omissão do artigo dezoito, “Sobre a obtenção da salvação eterna somente pelo nome de Cristo”, dos Artigos de Religião que ele enviou aos metodistas americanos esteja relacionada a sua posição em relação à graça. Ver RUNYON, T., A Teologia da Nova Criação - a teologia de Wesley hoje, SBC: Editéo, 2003, pp.50-51. Ver também RICHARDSON, Don, O Fator Melquisedeque - O Testemunho de Deus nas Culturas Através do Mundo, São Paulo: Edições Vida Nova, 1989.
[4] A tentativa de um relacionamento entre a religião cristã e as outras religiões pode ser feita a partir de três perspectivas: exclusivista, inclusivista e pluralista. A exclusivista, no campo católico, se baseia no axioma “extra ecclesiam nulla salus” ( fora da Igreja não há salvação), havendo um pequena mudança com o Concílio Vaticano II (1962-1965). No campo protestante, Karl Barth, com o movimento de gênese da Teologia Dialética em oposição à Teologia Liberal, foi ”um dos teólogos que melhor elaborou a base escriturística e teológica do exclusivismo da posição evangélica. Para Barth, “fora de Jesus Cristo não há revelação nem salvação”, pois para ele “religião é incredulidade, a religião é por excelência o fato do homem sem Deus”. TEIXEIRA, Faustino, Teologia das Religiões - uma visão Panorâmica. São Paulo: Edições Paulinas, 1995, pp. 37-43. O inclusivismo tem como “traço de sua singularidade a atribuição de um valor positivo para as outras religiões e o seu reconhecimento como mediações salvíficas para seus membros. As religiões do mundo são caminhos de salvação, mas enquanto implicam a salvação de Jesus Cristo”. “A perspectiva inclusivista é hoje a mais adotada entre os teólogos católicos, embora contemple em seu mesmo horizonte cristocêntrico posições diversas mesmo contrastantes”. TEIXEIRA, opus cit., pp.44-45. A posição pluralista surge contra o cristianismo como religião de superioridade última. Na busca de um ‘novo ângulo’ de compreensão do cristianismo, os teólogos pluralistas propõem uma mudança de paradigma, para além do exclusivismo e do inclusivismo, e isto implica ‘renunciar’ a visão ptolomaica tradicional, segundo a qual todas as religiões giram em torno do Cristo e do cristianismo com seu centro, para adotar uma visão segundo a qual todas as religiões, inclusive o cristianismo, giram em torno do Sol, que é o mistério de Deus como Realidade suprema”. TEIXEIRA, opus cit., pp.58.
[5] - O sentido de “essência” utilizado doravante se refere àquilo que ainda não assumiu publicamente sua existência concreta. Algo que é de fato potencial mas não atual. Ver, TILLICH, P. Teologia Sistemática. São Paulo: Paulinas/ Sinodal, 1984,
[6] Talvez algo que sinalize bem esta atitude da Igreja é o fato de que suas cabeças pensantes sempre se reúnem em simpósios e encontros cada vez mais caros financeiramente, embora com bons conteúdos, o que torna muito distante tudo o que ela discute e reflete da necessidade que as pessoas geralmente têm no seu dia-a-dia. Outro agravante é que, com raras exceções, não se pensa em projetos de abertura para um diálogo com o outro que é diferente. O que ocorre são confrontos que mais trazem prejuízos do que benefícios. Com o passar dos anos, principalmente no final do século XX, o que vimos foi uma Igreja tomada pelo misticismo religioso, que dá mais ênfase ao sobrenatural e bizarro do que ao otimismo da graça e a soberania da ação de Deus no mundo. Esta postura levou a Igreja a fugir ainda mais do espaço que deveria atuar e se voltar para si mesma numa atitude de catarse, diante de um mundo que ela sempre vê como podre, corrupto, irrecuperável. Essa postura mostra que o diálogo se tornou um monólogo, quando muito. O reino de Deus tem perdido com isso e a graça está deixando de ser experimentada em toda a sua eficácia pela igreja que deveria propagá-la com liberdade e alcances ilimitados. A Igreja cada vez mais se prepara para conversar consigo mesma, esquecendo dos outros e até da maior parte dela mesma.
[7] - O termo pragmatismo envolve a postura assumida diante de pessoas e coisas cujos valores são reconhecidos pelos resultados que produzem, isto é, o que funciona, é o certo, o bom e verdadeiro por isso e o que deve ser seguido. Num sentido mais filosófico, o pragmatismo afirma que o ser humano é responsável pela construção do conhecimento, da verdade e dos valores.
[8] - Erro de cronologia. Forma de avaliar e compreender um determinado fato ou acontecimento sem considerar as peculiaridades históricas envolvidas no mesmo, e sua utilização sem a devida contextualização.
[9] Algo neste sentido pode ser lido no livro Ouça o Espírito, Ouça o Mundo, de John Stott. São Paulo: ABU Editora, 1997.
[10] Há na prática da igreja cristã em geral a tendência de usar o conteúdo do Evangelho apenas como meio para que as pessoas não sejam condenadas ao inferno. A pregação neste sentido não vê outra utilidade do conteúdo bíblico a não ser como garantia para a vida futura. Porém, é sabido que o conteúdo bíblico não serve apenas para esta finalidade, ele tem inúmeras e importantes aplicações pessoais e sociais, que uma vez aceitos e colocados em prática pode trazer grandes mudanças para melhor, aumentando a qualidade de vida, trazendo saúde física e emocional para as pessoas, sem contudo a pessoa ou grupo social ter que se converter ao cristianismo e se tornar membro de qualquer igreja cristã. Este sentido talvez seja um dos que podemos apreender da parábola do semeador (Mt 13.1-23)